
A Raquel trabalha há três meses como caixa de um supermercado na Bela Vista. Poderia dizer que ela é caixa de um supermercado na Bela Vista, mas isso não é ela. Numa sexta à noite pergunto como vai o dia. Falta uma hora pro final do expediente. Carregando, é a resposta que ela me dá. Não carrega um rosto leve, mas um dia bem ao contrário. O dia tá te carregando ou você carregando o dia, eu pergunto. Eu que tô carregando. E tá pesado…
Não é a vida que tá pesada, é o trabalho. Não são os patrões que tão pesando, são os clientes. Tratam a gente mal, querem bater na gente. Outro dia mesmo levei um tapão no braço, de um senhor que queria que eu arrancasse a nota antes dela sair. Ele saiu correndo. Na próxima vez bato de volta. Polícia? Não adianta nada.
Nós contra eles, nós contra eles. Nos tornando barbaramente menos leves, menos compreensivos, mais sensíveis, mais esdrúxulos. Qual a solução pra Raquel? O que fazer na fila dos acontecimentos enquanto as Raqueis são maltratadas por senhores que talvez também se sintam maltratados?
Quantas desigualdades podem aguentar nossas cidades, pergunta o Pablo. Quanto maltrato suportarão nossas pessoas, pergunta a Raquel.