podia encontrá-la ali na esquina. ao balcão, enquanto servem-se cafés e pães na chapa. o balcão está repleto de farelos e gotas de leite, gotas claras e outras mais escuras, já tingidas de café, mas ainda assim ela poderia estar por ali.
seguindo a rua, sabia que ela também poderia estar passando por ali. temia que não a encontrasse por um milésimo de segundo, aquele mesmo em que um cachorro lhe trançasse as pernas, um vizinho lhe cumprimentasse e tchum, era o tempo dela ter passado do lado de lá.
sabendo disso, parou atenta à portaria do prédio, antes de entrar, sem ir para lugar algum – apenas esperando. não queria perdê-la, não queria perdê-la.
viu um rato sair correndo de uma garagem, ali, a dez metros de distância, e vrum – um carro veio. soltou um grito, o porteiro se assustou. era um rato, Zé. um rato? é. saiu daqui? não, dali da frente. tá mortinho ali no chão.
um rato… enquanto pensava nela que estava por vir se deixou levar em pensamento pela morte súbita de um rato. quantos atravessarão a rua achando que pra eles vai dar tempo de chegar do outro lado da rua? e quantos encontros se desviarão pelo inesperado?
se deu conta que se ela não fosse paciente para esperar pelos encontros inesperados que a desviavam o caminho, talvez nunca mais se encontrassem.
e continuou correndo para terminar os desvios de caminho antes que fosse tarde, sem entender que ela a sempre a esperou, nem cedo nem tarde, embaixo das curvas de cada novo descaminho.
porque a poesia nunca dorme nem se esconde. nem em tempos sombrios. no caos e na ordem, na correria desenfreada, na paz divina.
– a poesia é onipresente. basta ouvido para senti-la.